CONTATOS
Grupo Poema Processo[1968] Desde dezembro do ano passado já foram realizadas as seguintes expos do
poema/processo no Brasil: a primeira, inaugurada simultaneamente no Rio
(ESDI) e em Natal (Sobradinho) a 11/12/67, apresentou o poema/processo
ao público, sendo visitada por cerca de 20.000
consumidores/participantes; a segunda realizou-se em janeiro, no
Rio (ENBA) encerrando-se com um debate; a terceira, em Olinda (Galeria
Varanda), congregou o maior público visto até então em manifestações
artísticas em Pernambuco; ainda em abril, em Salvador (Museu de Arte
Moderna), verificou-se a 4ª. Em julho o grupo do poema/processo
participou da II Exposição Nacional de Poesia de Vanguarda, no Festival
de Inverno de Ouro Preto, e realizou a 5ª. Expo, no Rio, dentro da
promoção Arte no Aterro (Diário de Notícias). Em setembro, em João
Pessoa, verificou-se a 6ª. 30 artistas, de 9 estados, participaram das
6 expos. Na primeira, na Guanabara, foram apresentados – além de um
filmepoema – vários poemas/slides.O poema/processo despertou o
maior interesse nos meios de divulgação de massa, já começando a impor
uma lógica para seu consumo. Aproximadamente 100 referências
jornalísticas (desde páginas inteiras e vídeo-tapes até pequenas
notícias) mostram a importância do movimento no panorama da arte
nacional. Inclusive, seus participantes foram convidados para
apresentar os trabalhos na Discoteca do Chacrinha, sem aceitarem, pois
não pretendem se tornar peça da massificação irracional em que o
programa subsiste.
De um lado, ataques burros e galhofas sobre o
poema/processo; do outro, criticas sérias: a de Roberto Pontual
(Correio da Manhã, 11/2/68), sobre Ponto 1, dizendo que “muitas vezes
resumem-se os trabalhos em colagens ou montagens fotográficas de cenas
do mundo contemporâneo (como a Guerra do Vietnam), numa tentativa de
dar à transmissão de significados uma contundência que a palavra
escrita já não possui. Acertam na intenção (“Com o racional não haverá
fome no mundo”), mas, na prática, incorrem no experimentalismo
desenfreado”; a de Eduardo Portella (Jornal do Brasil, 6/4/68), quando
finaliza seu artigo afirmando: “Podemos sem dúvida discordar dos
representantes do poema/processo, podemos mesmo recusar a sua verdade,
não com a ênfase exaltada com que recusam as demais verdades, o que não
podemos é ignorar esse esforço obstinado de abertura do compasso da
poesia brasileira. E essa atenção se fará tanto mais merecedora quando
eles, no lugar de espantar pela radicalidade, preferirem espantar pela
criatividade”; a de Jomard Muniz de Brito (Jornal do Comércio, Recife,
21/4/68), escrevendo: “... a arte/processo está abalando os nossos
artistas tão bem comportados (até mesmo quando, sociodelicamente,
embriagados por lendas e mares) e vem ofendendo os consumidores da
cultura, tão ávidos de diversão e digestão (sobretudo se funcionários
de alto nível e de mais altas remunerações)”. Destacamos também as
reportagens de Rui de Castro (Manchete, 13/2/68 e Correio da Manhã,
11/4/68), que procuram informar honestamente as intenções e a realidade
do poema/processo.
Procurando trazer os problemas da poesia
brasileira ao público, os participantes guanabarianos da 2ª. Expo
Nacional do Poema/processo realizaram um “rasga-rasga” de livros de
poetas discursivos (Drummond. Cabral e seus satélites) nas escadarias
do Teatro Municipal, em 26/1/68. O fato pretendeu levantar os seguintes
problemas: 1) um protesto público contra a sigilosa política literária
de troca de favores (igrejinhas); 2) a necessidade de mostrar que houve
uma ruptura qualitativa no desenvolvimento da poesia brasileira; 3)
contra o caráter de eternidade no poema que tende sempre ao estável,
impedindo o aparecimento do novo. 4) afirmação aos novos poetas de que
o tipo de poesia existente nos livros rasgados não lhes pode servir de
modelo, pois está superado e consumido; 5) poema é como pilha, gastou
gastou; 6) é preciso espantar pela radicalidade. Ao poema radical
corresponde uma ação radical. A luta já atingiu o grau de um vale-tudo
oswaldiano; 7) o gesto constitui um fato dentro da realidade brasileira
(de radicalidade crescente, como é atestado pelos movimentos
estudantis) e não pode ser visto fora de seu contexto geral.
O
contato com poetas e críticos do exterior suscitou uma serie de
opiniões favoráveis. Já existem poemas/processo publicados na
Inglaterra (ICA Bulletin, nº. 77) e Argentina (Diagonal Cero, nº. 26).
Da maior importância no campo dos espetáculos a peça
O & A,
do TUCA-SP (idéia original de Roberto Freire e co-autoria dos
intérpretes), que inaugurou um novo processo no teatro. Peça
codificada, sem palavras, aonde a expressão corporal atinge o nível da
linguagem,
O & A
é uma realidade não-discursiva. No debate realizado na Guanabara
(Teatro João Caetano), entre os críticos (?) e o público, notou-se o
impressionismo e a importância de Fausto Wolf (que apenas soube fazer
propaganda de seu último livro), de Ian Michalski (“O critério que
tenho para aferir se uma peça é boa ou ruim é a impressão que ela me
causa”), do poetelho Walmir Ayala (que resolveu se transformar em
oráculo, dizendo: “trata-se de uma experiência consumada e irrepetível,
um campo de pesquisa que não pode ser transformado em gênero”). Contra
isso o grupo do poema/processo levantou-se exigindo critérios racionais
de critica e defendendo o experimentalismo não-discursivo da peça.
Realizou-se a 21 de julho p.p, no Aterro (Pavilhão Japonês), o “acontecimento” de Roberto Mariconi, intitulado
formas dinâmicas no espaço -: a arte sem suporte :-, de grande significado informacional para as manifestações culturais da vanguarda.
O
grupo do poema/processo apoiou as manifestações estudantis de protesto
contra o assassinato do estudante Edson Luís e contra as violências
policiais de junho p.p. Na Guanabara, por ocasião do enterro do
estudante, foi distribuída a seguinte nota: “O grupo do poema/processo
protesta contra o assassinato de estudantes, perpetrado pelas
estruturas sociais anacrônicas, e se solidariza com o movimento
estudantil. Não lhe causou surpresa tal fato, pois de há muito percebeu
que a luta contra estruturas atingiu o nível do vale-tudo”. A frente
poética do Rio Grande do Norte, simultaneamente, distribuía um
manifesto/solidariedade: “Somos pelo novo (passeata de protesto, teatro
novo, cinema novo, poema/processo, musica de vanguarda) contra
estruturas arcaicas (onde ditadores oficiais mantêm presos políticos, a
censura, policia que mata estudantes, excedentes); a morte do estudante
Edson Luís confirma: vivemos numa MILITADURA; polícia X estudantes,
censura X cultura, comodismo X luta – até quando?; pela liberdade de
criação, à margem da militadura”. Diversos elementos da frente
guanabariana do poema/processo compareceram ao enterro do estudante
assassinado e às assembléias e passeatas de junho/julho.
O
ingresso de João Cabral de Melo Neto na Academia Brasileira de Letras é
bem significativo, exigindo uma tomada de posição. Não se pode ao mesmo
tempo ser de vanguarda e promover um acadêmico – um acadêmico que, para
completar, afirma: “a academia é aspiração de qualquer literato”. Cf.
Haroldo de Campos, O Geômetra Engajado, in Metalinguagem, 1967; José
Lino Grunewald, Cabral: A Ira Por um Fio, Correio da Manhã, 14/4/68.
Trata-se de uma incoerência própria de literatos.
Registremos a
publicação do excelente GRÁFICOS, de Hugo Mund Jr. Da apresentação:
“Este álbum compõe-se de uma serie de imagens encadeadas, uma
conduzindo à outra, em seqüência que se pode dizer cinética, sugerindo
ao espectador a possibilidade de compor uma mensagem. Nenhuma palavra:
só cor e forma exprimem o organismo total e circular, isto é, meio
representando o uno/todo, fim conduzido a princípio”. GRÁFICOS foi
composto e impresso na Universidade de Brasília. Assinalemos também o
livro, dividido em 3 partes, de Sebastião G. Nunes, um dos nomes mais
conscientes e criativos da nova poesia mineira. ÚLTIMA CARTA DA
AMÉRICA, 4 RECURSOSEXTRAORDINARIOS e AUTO DA VIRGEM ENSIMESMADA são os
títulos que compõem a obra, totalizando 13 poemas. Destaquemos
Descrição do Cenário
(de 4 Recursos Extraordinários), apoiado em planos cinematográficos, e
os 3 poemas participantes de Última Carta da América: novela, anúncio e
epopéia. Impresso em Belo Horizonte. Outro
livro
que merece ser registrado: IDOLATRINA (ou UM PONTA-PÉ NA BUNDA DO
MINISTRO), do paraibano Marcus Vinicius de Andrade. Aproveitando as
modernas técnicas de comunicação, IDOLATRINA apresenta uma elevada taxa
de participação política. Impresso em João Pessoa, pelo autor.
AVISOA
idéia de considerar como parte essencial na criação poética o inaugurar
processos informacionais é original do nosso movimento. Quaisquer
atuações no sentido de atribuir este fato às correntes artísticas
anteriores é má-fé.
Revista Ponto 2, Rio de Janeiro, Ponto, 1968.