TEMPO DO POEMA
Álvaro de Sá[1967] o tempo do poema está delimitado por seu processo intrínseco e, mais principalmente, na realidade social aonde foi gerado.em qualquer caso, porem “este tempo é um só – o de sua auto-superação” (wdp).cada
poema encerra um processo e é realmente novo, se incorpora e supera
proposições poéticas anteriores. este processo se gasta, a medida que
vai sendo explorado pelo consumidor e se desgasta, quando é sobrepujado
por um novo processo que o admita e exceda. a partir do momento que o
poema está usado e apreendido em sua complexidade, ele se esgota; se
engloba elementos de outro poema, o seu consumo total envelhece-os e,
ainda que seja desconhecida a origem destes elementos, dá-se uma
deterioração indireta dos mesmos – o poema de onde provieram,
apresentar-se-á, em um contacto posterior, já parcialmente enfraquecido
e caduco.
todo poema carrega, dentro de si, uma contradição – um
processo que tende a se desenvolver em um novo poema que ultrapassará,
a partir das condições que ele mesmo criou, desgastando-o; o novo poema
resolvendo-se da mesma maneira, mantém o incessante devenir. mas, a
contradição do poema, só terá possibilidades efetivas de
auto-superar-se no instante socialmente necessário, pois tudo isto
ocorre, mercê de uma realidade que existe em mutação continua e aonde a
poesia é fração desenvolvendo-se com leis particulares , subordinadas
às leis dialéticas mais gerais da sociedade e do homem. assim as
características internas do poema levam-no rumo à auto-superação que só
se produz quando esta totalmente ultrapassada a complexidade social que
lhe serviu de contexto. aliás, desde seu início, a poesia tem sido uma
mutação contínua aonde escolas e estilos sucedem-se ininterruptamente,
acompanhando as transformações maiores.
gasto e desgastado o
poema deixa de vigorar. o poeta tem que perceber esta perspectiva: ele
cria, dentro de sua existência social, para seu espaço e para seu
momento e deve compreender a contradição do poema, lutando para
resolvê-la no sentido no novo. este é o principal aspecto
revolucionário do poeta, que progride sempre, auto-superando-se, sem
procurar a expansão dos limites temporais que o próprio poema exige.
ninguém cria poemas para o próximo centenário – daqui a 100 anos
circularão os poemas feitos por gente da época, para as necessidades da
época.
poeta, o guardião do novo, aberto ao experimento nas linguagens, até os mais profundos resultados.
invertem
o problema, os poetas institucionalizados, para eles o que importa, é
desenvolver um esforço frenante capaz de aumentar o período transitório
de sua produção, porque quanto mais próxima estiver a poesia de seus
(dêles) moldes, tanto melhor para a sobrevivência de suas criações. com
isto, congratulam-se, dentro de uma estrutura de consumo, às expressões
mais reacionárias de sua sociedade interessadas de forma geral na
manutenção de todos os valores vigentes. é uma atitude de defesa, para
quem não pode ou não tem coragem de avançar, teorizada na concepção
acadêmica da eternidade do fenômeno artístico. disso nos dá bom exemplo
a poesia discursiva, em torno da qual unem-se as mais diversas
correntes políticas, filosóficas e religiosas, para salvá-la, em nome
da tradição ocidental e da “essência poética do homem”, contra os
ataques dêste bando de “bárbaros” que pretende transformar a poesia,
simplesmente, em um trabalho de homens comuns: os operários das
linguagens.
atraso ao desenvolvimento da poesia enquanto pela
supressão das possibilidades de comunicação da nova poesia, ajudando a
eclipsar todos os talentos que lhe representam perigo e impedindo
outros de se manifestarem: as academias, as gerações, a chancela ao
“bom” e ao “mau” poema, enfim artimanhas as mais variadas do
conhecimento geral. para exemplificar, no brasil, temos os casos de
carlos drummond de andrade, este participante da vida literária, que
procura travar a poesia nacional dentro de suas fórmulas superadas e
joão cabral, a quem estão preparando para continuar o método. mas
realmente eles já são ultrapassados.
infelizmente muitos dos
melhores valores poéticos atuais não compreendem a luta consumo x
sustentação e dirigem uma enorme soma de esforços em polêmica
despropositada. até os noigandres enredaram-se, contraditoriamente,
tiveram o mérito de partir do método experimental na poesia, e
exaurem-se degladiando contra a má fé e a incompreensão dirigidas;
nesta esterilidade, não perceberam o seu desgaste de desenvolvimento
quando a poesia concreta exauriu – se dentro daquela postulação teórica
que lhe serviu de base. hoje ela já abandonou o monstro sagrado da
poética – a palavra – para compreender que a questão fundamental da
poesia não é somente a palavra ou a estrutura, mas um sistema
extremamente complexo que se chama linguagem. seja ela escrita, oral,
em quadrinhos, cinema, ou etc. a poesia concreta noigandres gastou-se,
como tal, como tal, no instante em que foram criados os poemas em
código e foi consumida com a publicação da revista invenção nº 4
(códigos, ôlho por ôlho, etc.). do desenvolvimento dialético ela não
poderia escapar, pois cada poema concreta envelhecia pelo uso e
desgastava-se, nas mãos dos próprios poetas que a criaram (sensíveis
aos fenômeno social e efetiva vanguarda). se não aceitam o gastado e o
desgastado da poesia concreta, é talvez porque considerem necessário
uma marcação histórica/internacional, e não querem arquivar o que já se
consumiu e somente serve como objeto de exercício e consulta estética.
êste
desgaste da poesia concreta, caducou o axioma de mallarmé, segundo o
qual “poemas se fazem com palavras e não com idéias”. nesta hora, 1967,
mallarmé 70 anos depois, a coisa é exatamente inversa – “poemas se
fazem com processos e não com palavras” (wdp). o que vale é a
exploração do complexo linguagem em toda sua multiplicidade de aspectos.
baudelaire,
rodenbach, morgenstern, etc. hoje, só podem ser observados através de
literatura explicativa, tanto menos vasta, quanto mais próximos se
acham suas épocas de atual. e por enquanto não poderão ser
compreendidos fora de uma vivencia objetica de seu tempo – saber
significado, estrutura e maioria das conotações semânticas não é senão
uma pequenina parte da compreensão ampla do fenômeno poético. um
simples consumidor espácio-contemporâneo a eles, compreendia-os melhor
do que o mais erudito dos poetas ou críticos de hoje e se é dito que
emocionam, existe a pressuposição da vigência de um código de
desencadeamento psicológico: o que é o melhor poema de baudelaire
diante do “anjo exterminador” de buñuel? porque é verdade: tudo que
foi feito por aqueles senhores acha-se incorporado e superado pela
poesia de hoje- embora, muito dialeticamente, em linguagem totalmente
dissimilar.
apesar de ser verdadeiro o consumo do poema, vez por
outras aparecem os “ressuscitadores”, como os do grupo noigandres,
descobrindo as “vanguardas” dos séculos XIX: nunca vanguardas, quando
passaram sem criar uma necessidade estética.
fruto da pelêmica,
os noigandres reacenderam souzândrade, na errada idéia de uma
continuidade, como que para lastrear a sua produção. desnecessário e
seria já duvidoso, mesmo que o fenômeno poesia concreta tivesse
filiação direta com a obra “ressuscitada”. qualquer coisa como antepor
tradição contra tradição: souzândrade. existiu desconhecidamente dentro
de uma época. injunções? rejeições? é uma lástima para a poesia da
época. mas somente para a poesia da época. ele não criou uma lógica de
consumo, não influenciou ninguém. não fez falta pois a poesia viva se
desenvolve sem ele. foi superado indiretamente. as proposições
levantadas por sounzândrade foram revigoradas e ultrapassadas antes da
“ressurreição”. e para os dias atuais sua poesia “renasceu” arcaica.
após ser conhecido através de pesquisa bibliófila, consumiu-se tempo,
espaço e energia “para, num magistral trabalho de recuperação,
recolocá-lo no devido lugar dentro da poesia brasileira”. e daí?
resposta:
como não se fazia há muito tempo os vanguardeiros defendem castro
alves, a “glória nacional” e a vanguarda ataca, mostrando que naquela
época o melhor era souzândrade – bate-bate a se arrastar por muitos
anos.
porém não ficou em souzândrade: dirceu (com aspectos
“desconhecidos”), gregorio de mattos, cego aderaldo e ate lupicínio
rodrigues, entre outros, mereceram atenções e “ressurreições”.
realmente tudo isso não interessa a poesia viva. a despeito da
condoiderada de castro alves, do paranoisiano bilac, dos modernosos de
1922 e da degeneração de 45, a experimentação poética começou: e
começou num brasil que experimentava petrobrás, brasília, arte
concreta, bossa nova, agitação estudantil, ausência de poesia, etc, etc.
num
brasil ignorante, mas criativo, da década de 50. não interessa à poesia
viva, pelo atraso inerente a estas descobertas: desvia a problemática
fundamental, criada pelas formulações apresentadas na poesia viva, para
elocubrações acadêmicas em torno de pré-história. não interessa aos
poetas vivos experimentais do ceará, de minas, do rio grande do norte,
e de qualquer lugar, porque eles vão se transformando sob o pêso de
polêmicas tipo castro – Andradina, nos souzândrades a serem recuperados
no ano 2000, já então mumificados, sem qualquer sentido.
arte não quer qorpos santos – quer qorpos vivos.
não
interessa mesmo e os polemistas noigandres têm que entender que o seu
maior lastro é a atuação poética produtora de sua poesia, como foi no
passado e como é agora.
Revista Ponto 1, Rio de Janeiro, Ponto, 1967.